segunda-feira, 21 de abril de 2008

Monumento eqüestre: implicações de uma escolha correta

Por Osmar Pires Martins Júnior*

*Biólogo, engenheiro agrônomo, mestre em Ecologia, professor universitário e presidente da Academia Goianiense de Letras (AGnL).

Cidades - Diário da Manhã
25/01/2008, 06/12/2007 e 13/12/2007

A Agência Goiana de Cultura (Agepel) anunciou o local para instalar o monumento eqüestre de Pedro Ludovico. A estátua de bronze, com 14 metros de altura, esculpida em gesso e fundida em bronze, com Pedro Ludovico montado em um cavalo, cavalgando no ponto mais alto de onde avistou o vale escolhido para sediar a nova capital do Estado de Goiás. A obra escultural da artista Neusa Moraes “será instalada no Morro Serrinha”, divulgou Linda Monteiro, presidenta da Agepel, que realiza uma gestão dinâmica e profícua em prol da cultura goiana.Sobre este assunto, eu escrevi dois artigos publicados neste espaço em dezembro do ano passado. O primeiro no dia 6, intitulado Um monumento à altura da obra de Pedro, e o segundo no dia 13, Resgate de uma dívida histórica (ambos os artigos se encontram abaixo). Volto ao assunto para acrescentar que, além do significado histórico e cultural, outros aspectos igualmente importantes devem ser considerados na escolha do local para instalar um monumento que possui significado tridimensional: histórico, cultural e ambiental. Sobre os dois primeiros, deixo de discorrer, tendo em vista que personalidades da estatura de José Mendonça Teles e Mauro Borges já se pronunciaram a respeito. Enfoco aqui a natureza urbanístico ambiental do Morro da Serrinha, como necessária e importante, que não deve ser colocada em segundo plano, sob pena de se reduzir, involuntariamente, a dimensão da obra de Neusa Moraes a um objeto físico portentoso, mas destituído de vida. O monumento ganhará vida na medida em que a escultura integrar profundamente os seus aspectos multidimensionais. O Morro da Serrinha é o ponto mais alto de onde, na década de 30, se projetou o futuro; mas, simultaneamente, é o testemunho do cerrado típico, que outrora cobria extensamente o Centro-Oeste e, hoje, remanesce dentro de um tecido urbano dilacerado pela ocupação humana desordenada. Sobrevivem no Morro da Serrinha mais de 70 espécies de uma vegetação típica brasileira, como araticum, murici, pequi, cagaita, jacarandá, bacupari, manjericão-do-campo, ipê-amarelo. O monumento, portanto, expressa a memória histórico-ambiental brasileira, na sua jornada de interiorazação e conflito desbravador – preservador. A visibilidade, a estética e o acesso ao monumento, necessários à valorização da própria obra, requerem a implantação de uma estrutura adequada e sustentável, implicando na recuperação do Morro da Serrinha e na implantação do parque de mesmo nome. Portanto, representa o resgate de um patrimônio urbanístico ambiental da cidade que foi relegado à sanha especulativa dos que dilapidam os bens de uso comum da população. O Parque Serrinha é um espaço livre constante do plano original da cidade que, implantado, revitalizará corretamente uma região urbana importante, mas esquecida. E sem provocar impactos negativos, como a construção de prédios comerciais de dezenas de andares, pretendida num passado recente. O prefeito Iris Rezende, o secretário de Cultura, Kléber Adorno, o presidente da Agência Municipal do Meio Ambiente, Clarismino Júnior, juntamente com a presidenta da Agepel e o governador Alcides Rodrigues, dirigentes comprometidos com os interesses maiores da coletividade, têm um desafio e uma oportunidade única de promover um entendimento capaz de quitar uma dívida do Poder Público com a história, a cultura e o meio ambiente da Capital dos goianos. Na esteira da iniciativa da Câmara Municipal de Goiânia, por meio do vereador Pastor Rusemberg, um possível fruto do entendimento entre a prefeitura e o governo estadual seria a promoção de um concurso público para a elaboração do projeto de implantação de um belo e moderno parque ecológico, no Morro da Serrinha, contendo um mirante com o monumento eqüestre de Pedro Ludovico. A população agradeceria esta iniciativa como sinal de amadurecimento e avanço das políticas públicas no nosso Estado.

Um monumento à altura da obra de Pedro

O expoente escritor José Mendonça Teles escreve as suas Crônicas & Outras Histórias há décadas n’O Popular. Na de 3 de dezembro de 2007, intitulada “O cavalo de Pedro Ludovico”, lançou o desafio aos homens públicos, verdadeiramente comprometidos com Goiânia: “Já pensou um mirante, com turistas à vontade e o Pedrão lá em cima, montado a cavalo, olhando a cidade que ele carinhosamente construiu?”.O sábio escritor nos propõe a instalação da monumental obra de Neusa Morais – a estátua eqüestre de Pedro Ludovico, montado a cavalo, vistoriando a área onde seria construída a nova capital de Goiás – no Morro Serrinha. Noutra crônica, escrita em 29 de dezembro de 1996, afirmou: “Foi vistoriando as terras, montado a cavalo, na região da Serrinha, que Pedro Ludovico decidiu-se de que aqui seria a nova Capital”.Além dos aspectos históricos e culturais envolvidos, acrescento outros de natureza ambiental para reforçar a proposta lançada. O Morro Serrinha ocupa uma área de cento e oito mil metros quadrados, entre o Setor Pedro Ludovico e o Bairro Serrinha, próximo ao Setor Bueno, com um perímetro de um mil quatrocentos e cinqüenta metros. Nesta região da cidade há carência de espaços livres e, em especial, de áreas verdes, com desequilíbrio entre áreas construídas e não construídas, na qual prevalecem as primeiras, reduzindo a disponibilidade de espaços livres. As áreas públicas alienadas no entorno direto do Morro Serrinha somam seiscentos e oitenta e um mil metros quadrados, correspondendo a uma dilapidação de 20,5% do patrimônio público.Somente no Setor Bueno, foi privatizado um total de área pública de trezentos e cinqüenta e sete mil metros quadrados. O processo de alienação, parcelamento e edificação das áreas públicas da região é intenso e levou à formação de um passivo de um milhão e trinta e sete mil metros quadrados de áreas públicas desvirtuadas da sua função original, destinadas à proteção do meio ambiente, ao lazer e recreação, à educação, saúde e segurança públicas. Este processo está associado à impermeabilização do solo e à manifestação de episódios de enchentes causadores de prejuízos ao patrimônio público e particular, à saúde pública e à vida humana.Apesar da elevada densidade demográfica da região, são poucas as Unidades de Conservação existentes com áreas expressivas, como o Jardim Botânico, que possui uma área de quase um milhão de metros quadrados. Portanto, pode-se afirmar que trata-se de uma região com um déficit de espaços públicos, comprometendo funções urbano-ambientais relevantes ao equilíbrio do meio urbano, de lazer e de recreação ao goianiense. O Morro Serrinha se constitui hoje em uma das pouquíssimas – talvez a única – reservas de Cerrado, que é o tipo predominante na região e que, por sua fisionomia menos “exuberante” que as matas, vem sendo equivocadamente relegado a um segundo plano – dentro da área urbana de Goiânia. Essa constatação aponta para a necessidade de preservação da vegetação daquele morro. Do ponto de vista fisionômico, a vegetação da Serrinha é de “cerrado típico”, com dois estratos, um rasteiro e outro arbustivo-arbóreo, este formado por árvores de porte baixo. No aspecto florístico, levantamento feito pelo professor Heleno de Freitas, do Departamento de Botânica da UFG, registrou 71 espécies vegetais, como jatobá-do-cerrado, ipê-do-cerrado, barbatimão, faveira, carobinha. Esse número de espécies é próximo da média observada em áreas de Cerrado. Esse dado indica que, apesar do intenso nível de degradação sofrido, a área da Serrinha milagrosamente conserva as características ecológicas típicas dos ecossistemas de Cerrado. A proposta de José Mendonça Teles é uma alternativa de preservação deste patrimônio, frente às ameaças que o submetem à permanente extinção.

Resgate de uma dívida histórica

Do ponto de vista urbanístico, o Morro Serrinha pode ser caracterizado como um Espaço Livre Público, criado pelo Decreto n.º 70, de 08 de novembro de 1957, que aprovou o loteamento denominado Bairro da Serrinha, de propriedade do Sr. José Campos. O Memorial Descritivo, assinado pelo arquiteto V. Holanda (CREA 2423/D), estabelece que o citado loteamento foi “elaborado de acordo com as exigências previstas no Código de Edificações de Goiânia e do Decreto-lei n.º 90-A, de 13 de julho de 1938”. Este decreto aprovou o primeiro Plano Diretor da Cidade, elaborado pelo Arquiteto-Urbanista Attílio Corrêa Lima, de acordo com as diretrizes urbanísticas de Cidade-Jardim, cuja concepção proporcionou à cidade um elevado percentual de espaços livres por habitante urbano.No memorial do primeiro plano de Goiânia, destaca-se, dentre outras, a diretriz urbanística de zelar pelas belezas naturais da cidade. Em decorrência da diretriz citada, os planos de loteamentos submetidos à aprovação do órgão oficial de parcelamento do solo urbano de Goiânia, como regra geral, delimitavam como áreas de preservação aqueles locais contendo recursos naturais do sítio a ser urbanizado. Em decorrência do Plano Diretor Original, a Lei nº 4.526, de 31/12/1971, que instituiu o Plano Diretor Integrado de Goiânia (PDIG de 1971), no artigo 11, estabeleceu como uma das zonas de uso a serem indicadas na planta de Zoneamento, as zonas verdes de recreação e cultura (ZV). No artigo 25 são citadas algumas medidas objetivando a preservação e valorização de áreas para a recreação e atividades ao ar livre, dentre as quais os Centros Culturais, os Parque Infantis, os Centros Comunitários, o Verde Linear, os Parques Municipais nos fundos de vale, a criação de um Parque Regional e a reserva de faixa mínima de 50 metros de ambos os lados dos córregos da zona urbana e de expansão urbana. A Lei de Zoneamento de 1980 - Lei n.º 5.735, de 19/12/1980, no seu art. 24, item XVIII, em obediência à mesma diretriz urbanística, enquadrou na categoria de ZV-P as áreas de morros e aquelas cobertas por bosques, matas e florestas dotadas de características ecológicas especiais. O PDIG de 1992 – Lei Complementar nº 015/92 estabeleceu a necessidade de se criar Unidades de Conservação, dentre outros, em morros isolados que são elementos marcantes na paisagem urbana. A Lei de Zoneamento de 1994 – Lei Complementar n.º 031, de 29/12/1994, define como Área de Preservação Permanente, no art. 84, III, dentre outras, os topos e encostas dos morros do Mendanha, Serrinha, Santo Antônio e do Além.A legislação urbanística de Goiânia é inteiramente coerente com o Plano Original de 1938. Por isso, as plantas de loteamento dos Setores Serrinha e Pedro Ludovico, arquivadas na Secretaria Municipal de Planejamento, delimitam o Morro Serrinha como um Espaço Livre de função ambiental, enquadrado-o na categoria de Parque Municipal, cuja área maior parte do solo permanece ainda em estado permeável, apesar de funcionar, no local, um reservatório de água de 10.000 m² da Empresa de Saneamento (SANEAGO) e de três torres para emissão, transmissão e recepção de dados da Embratel e da Telegoiás. Algumas empresas de construção e incorporação que chegaram a obter títulos dominiais na área foram indezinadas pelo Governo Estadual, que pretendia construir ali o Teleporto e desistiu do projeto. Vislumbra-se, pelo que foi exposto, a oportunidade dos Governos do Estado e do Município desenvolverem agora uma parceria para implantar o esquecido Parque Ecológico da Serrinha e instalar ali a estátua eqüestre de Pedro Ludovico, num ambiente belíssimo e cheio de simbolismo cultural, resgatando uma dívida histórica e permitindo recuperar uma área de dois alqueires de cerrado típico, no ponto mais alto de Goiânia, de onde Pedro vislumbrou o vale que escolheu para a construção de Goiânia.

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