Por Osmar Pires Martins Júnior*
Diário da Manhã
Cidades, p. 15
19/06/2008
Durante a primeira semana de despedidas a Leolídio Di Ramos Caiado, nosso querido Leco, várias manifestações de pesar e de homenagens à sua memória foram registradas nas páginas do Diário da Manhã. Tanto pela personalidade como pela vasta contribuição que o saudoso Leco deixou para o nosso país e a humanidade, ele é merecedor de todas estas manifestações e de outras que ainda poderão ser feitas.
Faço meu testemunho a respeito da atitude, do compromisso, do destemor com que Leco via e assumia posições em relação às complexas questões da ecologia e do meio ambiente. Quando exerci a função de secretário municipal do Meio Ambiente de Goiânia, Leco era o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Goiás (OAB-GO). Na ocasião, a prefeitura, com aprovação do prefeito Darci Accorsi e após discussão com os titulares das pastas afins, como Procuradoria e Planejamento, desacadeou o Programa de Resgate do Berço Ecológico de Goiânia, que implicou nas ações de recuperação dos Parques Vaca Brava, Areião, Botafogo, Linear Botafogo e Jardim Botânico. O advogado Leco não titubeou: discutiu o problema da grilagem urbana entre os membros da comissão da OAB/GO e deu total apoio à luta política e jurídica pela retomada do patrimônio público ambiental de Goiânia.
No artigo que escreveu e que o Diário da Manhã publicou na edição de 19 de outubro de 1996, intitulado “Criador de Parques”, o combativo e destemido Leco assim se pronunciou sobre a grilagem oficializada que vitimou o Parque Vaca Brava: [...] Havia área no centro da cidade, hoje bairro populoso, Setor Bueno, como é o caso do Vaca Brava, que era reclamado por pretensos e supostos proprietários particulares. Ora, [...] se o parque fosse transformado em construções de elevados prédios, os espigões, além de obstruir a beleza paisagística, impediriam o livre trânsito das brisas que suavizam a comunidade [...].
As palavras de Leolídio Di Ramos Caiado ecoam fortemente até os dias presentes. Muitos são ainda os pretensos proprietários que reclamam o Vaca Brava para si. Querem se apropriar de uma área pública ambiental com objetivos construtivos. Alguns os alcançaram e levantam espigões que degradam a paisagem da cabeceira de um fundo de vale e que impedem a circulação natural do vento e da água, repassando a conta das inundações e das ilhas de calor para os cidadãos.
Leco é merecedor de todas as manifestações justas, carinhosas e de gratidão, mas, não se deve destituir da pessoa merecedora o substantivo da homenagem – a luta pela ecologia concreta – em favor de djetivos fáceis que venham, na verdade, a obscurecer a realidade e manter o status quo da poluição, da degradação e da iniqüidade de uma sociedade desigual, autoritária e excludente.
Por certo que Leco é merecedor de homengens à altura de quem, na década de 1940, inciou sua prenegrinação em defesa do Cerrado, da fauna e da flora, implantando o Departamento de Caça e Pesca de Goiás. Trajetória essa que culminou na criação da Semago, posteriormente Femago e, agora, da recentemente extinta Agência Ambiental. O estado de Goiás foi pioneiro na implantação de uma lei de controle da poluição – a Lei nº 8544, de 17 de outubro de 1978, antes mesmo da lei que instituiu a política nacional – Lei nº 6938, em 1981. A Superintendência Estadual do Meio Ambiente de Goiás (Semago) foi por ele criada e presidida, contemporaneamente às primeiras agências de proteção ambiental no país e no mundo, como a Companhia de Tecnologia e Saneamento Básico e Ambiental de São Paulo (Cetesb), Fundação Estadual de Engeharia do Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Feema) e Agência Norte-Americana de Proteção Ambiental (EPA), todas no ínício da década de 1970.
A sociedade é devedora de uma homenagem que venha expressar com fidedignidade a trajetória do homenageado no cotidiano dos goianienses e goianos. Lembro, a título de sugestão, que o último resquício urbano do Cerrado, encravado no ponto mais alto do Vale do Botafogo, onde Pedro Ludovico vislumbrou e escolheu o local para edificar a capital dos goianos é o Morro Serrinha. Uma área originalmente pertencente ao povo goianiense, destinada a parque municipal, mas que, pelos descaminhos da grilagem oficializada, foi parar nas maõs de particulares, que foi desapropriada pelo Estado de Goiás para a implantação de um Teleporto. Como o Estado dele desistiu por problemas ambientais com o Ministério Público, quem sabe, na esteira da feliz sugestão de um parque para Leco, feita brilhantemente pelo ex-governador e atual Senador Marconi Perillo, não se possa promover a união de todos – Estado, Município, MP, comunidade – e preservar o Cerrado no coração de Goiânia, bem como a memória de um dos mais ilustres defensores da natureza, em todos os tempos, com a implantação do belo Parque Morro Serrinha – Leolídio Caiado.
* Osmar Pires Martins Júnior, biólogo, engenheiro agrônomo, mestre em ecologia, professor de cursos de graduação e de pós-graduação em IES, presidente da Academia Goianiense de Letras, foi presidente da Agência Ambiental de Goiás (2003-06), perito ambiental do MP/GO (1997-02) e secretário do Meio Ambiente de Goiânia (1993-96).
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