quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Parque Serrinha é um tributo ao Cerrado

Artigo de Opinião
Diário da Manhã,
27/08/2008


Araticum, murici, piqui, jatobá, sucupira, barbatimão, faveira, pau-santo, pau-terra, carobinha, cagaita, jacarandá, bacupari, manjericão-do-campo e ipê-amarelo. Onde estão as espécies do nosso Cerrado? Raramente encontradas em Goiânia, elas ainda sobrevivem majestosamente no Morro Serrinha, apesar das constantes agressões. Além de abrigar espécies nativas, o morro também constitui área de recarga de água. Ele alimenta o lençol freático com água da chuva e drena a água para o Parque Amazônia e o Córrego Botafogo. Daí a importância de sua proteção e revitalização, através da implantação de um parque ecológico, que garantirá a preservação daquela reserva urbana representativa de um mosaico paisagístico que caracteriza a Província Biogeográfica do Cerrado. Aliás, precisamos urgentemente fazer o caminho inverso, afinal a continuidade do desmatamento e da destruição desse bioma trará conseqüências muito severas no tocante, por exemplo, à disponibilidade quantitativa e qualitativa dos recursos hídricos. A água dos mananciais perde em quantidade e qualidade nos pontos com menor conservação da vegetação nativa.

O Cerrado tem sido extrema e irresponsavelmente castigado. Vivemos um avanço fora de controle do desmatamento, num ritmo sem precedentes em nenhum outro bioma brasileiro. Pesquisas do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostram que a área desmatada nas últimas quatro décadas equivale a 2,35 territórios de Goiás. Portanto, são mais de dois Estados de Goiás desmatados em 40 anos. Cada hectare derrubado gerou 220 toneladas de dióxido de carbono (CO2) em 20 anos. Em Goiás e no Distrito Federal, metade das bacias hidrográficas está desprotegida, com menos de 30% de cobertura vegetal.

O bioma típico do território goiano está mais desprotegido que a Amazônia. No Cerrado, apenas 5,2% da área têm proteção legal, com definição de unidades de conservação. Na Amazônia, o índice chega a 45% do território. Em Goiás, 58 mil quilômetros quadrados de Cerrado podem desaparecer em poucos anos se não houver políticas de gestão ambiental e territorial. Até o Estado do Mato Grosso, apontado como principal responsável pelo desmatamento da Amazônia, tem índice melhor de preservação do Cerrado. Somente de 2003 para 2004, 8,5 mil quilômetros quadrados de Cerrado foram desmatados, o que equivale a 2,5% da área total de Goiás. Foram em média 708 quilômetros quadrados derrubados por mês.

O desmatamento – principal contribuição brasileira para o aquecimento global – provoca uma perda de biomassa responsável pelo lançamento de 220 toneladas de CO2 por hectare devastado. Se essa vegetação existisse, iria reter em um ano de 0,3 a 2,5 toneladas de carbono por hectare. O Cerrado é um grande sumidouro de carbono dentro do processo natural da fotossíntese. Sua devastação provoca a perda dessa capacidade e leva a uma emissão de carbono sem precedentes. Portanto, sobrou pouco para ser preservado e a revitalização do Morro Serrinha e das áreas de nascentes do córrego que leva o mesmo nome, situados numa microrregião bastante adensada, é uma espécie de tributo ao Cerrado. A propósito, aquela área de preservação permanente certamente teria sido extinta, caso prosperasse a instalação ali do projeto de um teleporto. Pelo projeto, seriam construídos sete blocos, um dos quais com 40 pavimentos, um com 18 e cinco blocos com 10 andares cada, que deveriam ser erguidos num platô no alto da Serrinha, totalizando 142 mil metros quadrados de área construída. Somente a implantação de um parque ecológico, como deseja a população, poderá assegurar a preservação daquele que é o último resquício urbano do Cerrado na Capital, encravado no ponto mais alto do Vale do Botafogo e onde Pedro Ludovico Teixeira vislumbrou e escolheu o local para edificar esta cidade. Assim, proteger o Morro Serrinha significa preservar o bioma Cerrado no coração de Goiânia. Aliás, a transformação daquela reserva em um parque era desejo de Attílio Corrêa Lima, autor do projeto arquitetônico de Goiânia.

Rusembergue Barbosa é vice-presidente da Câmara Municipal de Goiânia rusemberguebarbosa@gmail.com